O bilinguismo traz benefícios às crianças aprendendo a falar - e aos adultos conforme envelhecem
Por Ramin Skibba*
Mesmo quando você é fluente em dois idiomas, é complicado alternar de um para outro de forma natural. É normal errar a conjugação de um verbo em espanhol, usar a preposição errada em inglês, ou se perder no meio de uma frase em alemão. Então - dominar uma segunda língua afia a nossa habilidade de multitasking, ou só nos deixa confusos?
Esse tem sido um debate entre linguistas e psicólogos desde os anos 1920, quando muitos especialistas achavam que crianças bilíngues estavam fadadas a sofrer problemas cognitivos conforme cresciam. Mas a ciência avançou. No Annual Review of Linguistics, o pscolinguista Mark Antoniou da Western Sidney University, na Austrália, mostra como o bilinguismo - como ele define, usar pelo menos dois idiomas no seu dia a dia - pode beneficiar nossos cérebros, especialmente conforme envelhecemos. Ele discute a melhor forma de ensinar línguas para crianças e oferece evidências de que o uso regular de várias línguas pode ajudar a retardar o desenvolvimento do mal de Alzheimer. Essa conversa foi editada para fins de duração e clareza.
Quais são os benefícios do bilinguismo?
Estou interessado na interação entre o processo de aprendizagem de línguas e a cognição - os processos mentais do cérebro. Os benefícios cognitivos do bilinguismo podem começar em experiências desde a primeira infância e perdurar por toda a vida.
As áreas do cérebro responsáveis por isso também são usadas quando tentamos completar uma tarefa em meio a distrações. A tarefa não precisa estar relacionada à língua; pode ser tentar ouvir algo em um ambiente barulhento or alguma tarefa visual. O músculo da memória desenvolvido pelo uso de duas línguas também pode servir a diferentes habilidades.
Onde esses benefícios aparecem no cérebro?
Antes de tudo, vemos aumento no volume de massa cinzenta. O cérebro é feito de células chamadas neurônios, e cada neurônio tem um corpo celular e pequenos braços chamados dendritos. Massa cinzenta é a quantidade de corpos celulares e dendritos que o cérebro possui. A experiência bilígnue deixa a massa cinzenta mais densa, então você tem mais células. Isso é um indício de um cérebro mais saudável.
O bilinguismo também afeta a massa branca, uma substância gordurosa que cobre os axônios, que são as principais projeções dos neurônios para se conectarem uns aos outros. A massa branca permite que as mensagens viajem rapida e eficientemente pela rede nervosa e para o cérebro. O bilinguismo preserva a integridade da massa branca conforme envelhecemos. Isso nos permite utilizar mais neurônios, e reforça e mantém as conexões entre eles para que a comunicação seja otimizada.
Ensinar dois idiomas pode atrasar ou confundir a compreensão das crianças?
Esses mitos sobre o bilinguismo vêm de estudos nos EUA e no Reino Unido durante a Primeira e Segunda Guerras Mundiais. São estudos seriamente falhos envolvendo crianças de países arrasados pela guerra: refugiados, órfãos e, em alguns casos, até mesmo crianças em campos de concentração. Sua educação foi fragmentada por anos. Eles podem ter sofrido traumas, e então participaram desses estudos com testes medindo sua habilidade línguística verbal.
Não é de se surpreender que fossem mal nos testes. Os pesquisadores atribuíam as notas baixas ao estresse pós-traumático? Eles provavelmente nem sabiam o que era isso. Não, em vez disso eles atribuíam ao bilinguismo das crianças.
Somente nos anos 1960, quando um importante estudo foi publicado por Elizabeth Peal e Wallace Lambert na McGill University em Montreal, a perspectiva começou a mudar. As descobertas deles mostraram não só que crianças bilíngues não tinham atraso cognitivo ou retardamento mental, como que o bilinguismo lhes dava algumas vantagens cognitivas.
Além da função executiva, indivíduos bilíngues mostram mais consciência metalinguística, isto é, a habilidade de pensar sobre a língua em unidades e associações abstratas. Um bom exemplo é a letra H, que é associada ao som "he" em inglês, com "n" como em nickel em russo, e com o som vocálico "e" em grego. Não há nada de especial na letra H que faça com que ela tenha o som "he"; uma pessoa bilíngue entende isso mais facilmente do que um monolíngue.
As descobertas originais sobre as vantagens do bilinguismo para a função executiva em 1960 atraíram o interesse da mídia. Talvez as vantagens tenham sido infladas ou mal-interpretadas. Nem toda pessoa bilíngue terá um cérebro mais saudável que uma pessoa monolíngue. Estamos falando de tendências gerais em nível populacional.
Vemos evidência de vantagens bilíngues em crianças, mas não é sempre. E conforme avançamos para jovens adultos, digamos, na casa dos 20, essas vantagens são mais difíceis de detectar. Isso faz sentido em termos de maturação cerebral: quando somos crianças, nosso cérebro ainda está se desenvolvendo, mas quando alcançamos a maioridade, nosso cérebro está no seu pico, então o bilinguismo não faz tanta diferença.
Aprender um idiomas na infância é diferente de aprender mais tarde, certo?
Depende. Por um longo tempo, pensou-se que o único jeito de realmente aprender uma língua era fazê-lo cedo. Pensava-se que após a adolescência, não se podia aprender uma língua perfeitamente. Sempre haveria um sotoque. Mas agora sabemos que isso não é verdade, porque existem muitas pessoas que aprendem um idioma quando adultos, e aprendem muito bem. Então isso nos levou a reexaminar o que é diferente na aprendizagem durante a infância.
No final, a diferença no aprendizado de línguas entre crianças e adultos é provavelmente uma combinação dos dois: plasticidade e condições. Também existem diferenças individuais. Se colocarmos duas pessoas diferentes na mesma situação, algumas pessoas vão se dar bem e outras vão penar.
Um cérebro bilíngue envelhece de forma diferente de um monolíngue?
Sabemos através de estudos que a partir dos 25 anos o cérebro começa a declinar, em termos de memória ativa, eficiência, velocidade processamento, essas coisas. Conforme envelhecemos, esses declínios vão se acentuando. O argumento é que conforme envelhecemos, o bilinguismo freia e torna esse declínio menos acentuado. A vantagem do bilinguismo fica mais evidente em adultos mais velhos. (A segunda maior evidência vem das crianças.)
Quando olhamos indivíduos bilíngues que sofreram neurodegeneração, seus cérebros parecem danificados. Pelas suas ressonâncias, poderíamos pensar que essas pessoas seriam muito esquecidas, ou que não estariam se dando tão bem como estão. Mas não é o que vemos. Um cérebro bilíngue pode compensar a deterioração cerebral usando redes cerebrais e conexões alternativas quando os caminhos originais foram destruídos. Pesquisadores chamam essa teoria de "compensação cognitiva" e concluem que isso acontece porque o bilinguismo promove a saúde das massas cinzenta e branca.
Aprender um idiomas mais tarde pode prevenir o Alzheimer?
Essa é uma hipótese. Estamos fazendo estudos em que ensinamos um idioma para pessoas a partir de 65 anos com o bjetivo de promover a função cerebral, mesmo neste ponto da vida. O que estamos testando é: Podemos ajudar os mais velhos usando a aprendizagem de línguas? Isso traz algum benefício em termos de "use ou perca" para a saúde cerebral?
Os sinais iniciais são encorajadores. Os dados preliminares são positivos. Parece que aprender um idioma mais tarde pode trazer bons resultados cognitivos.
Mas não há estudos suficientes para afirmar isso de forma definitiva. E não temos nenhum detalhe. Quanta experiência linguística é necessária? A língua que se aprende importa? É necessário atingir um nível específico de proficiência? Não temos respostas para essas perguntas.
Meu conselho é ser incentivador e paciente. Crianças bilíngues têm uma tarefa mais difícil do que aqueles aprendendo uma única língua. Elas estão aprendendo dois grupos de vocabulário e sons. Pode ser desafiador para aqueles de nós vivendo em um país com uma língua dominante estabelecer um propósito funcional para o segundo idioma. Uma criança precisa sentir que a língua é prática e tem um uso. Avós são ótimos para isso, assim como viver em uma comunidade onde há eventos culturais ou escolas em que as crianças possam estar imersas no segundo idioma.
Outra preocupação dos pais é que as crianças possam misturar as duas línguas. Não se preocupe com o que chamamos de "mistura de códigos". É perfeitamente natural durante o desenvolvimento bílíngue. Eles não estão confusos. Misturar os idiomas é tido como um sinal de competência ou proficiência bilíngue.
Quais outras pesquisas você está fazendo nessa área?
Estou interessado em entender porque algumas vezes vemos um efeito bilíngue, e em outras não. Em um artigo, eu propus que o pareamento dos idiomas importa. Se falamos duas línguas distantes, como mandarim e inglês, isso resultaria nas mesmas alterações cerebrais que falar dois idiomas próximos, como alemão e inglês?
Talvez se as línguas forem próximas, elas estejam competindo mais e seja mais difícil separá-las, para evitar usar a palavra errada na hora errada. Talvez se elas forem mais distantes, não podemos nos valer do conhecimento prévio da primeira para aprender a segunda. Nesse caso, estaríamos começando do zero com a segunda língua, e isso requer mais esforço nos estágios iniciais. Mas uma vez que tenhamos aprendido os dois idiomas, talvez haja menos competição.
*Ramin Skibba é um astrofísico que se tornou escritor e jornalista em San Diego.
**Traduzido e adaptado de How a second language can boost the brain, por Ramin Skibba. Publicado na Knowable Magazine, 29/11/2018.
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